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NOTÍCIAS 2002

Criando de cabo a rabo

Mário Persona (*)
Colaborador

Quem costuma trabalhar em um terminal burro - o posto avançado de um computador central - conhece só meia verdade. A verdade inteira é que o computador na outra ponta também é burro. E se eu pensar que o computador pensa, pertenço à mesma família. A menos que aprenda que pensar é enxergar além de dados informes. Ou além da informação.

Computador pensa? Penso que não. O que faz é armazenar dados, dar forma a eles e informar o resultado. Como a fôrma dá forma aos ingredientes que formam o pudim. É por isso que informação não passa de dados que ganharam uma formatação. Mas será que a máquina pensou aí? Ainda não. Só processou.

E o terminal burro? Oras, ele cospe o pudim que o computador burro formatou. Quem se concentra demais nos dados e na informação só consegue enxergar o furo do pudim, onde não há sabor nem sensação. Todavia, quem pensa saliva. Estimulado pelas glândulas da intuição, desperta a imaginação que leva à criação. Já viu um micro com intuição? Já vi gente com micro-intuição. Que aprendeu a pensar como os computadores, só na razão. E há quem acredite que isto seja educação!

Educar não é ensinar a juntar dados e mostrar como formatá-los. Isto é brincar de "cubo mágico", girando, girando, até que cada face fique com a mesma cor. Quem decorar a fórmula chega lá. Formou o cubo, está formado. Sai pensando que aprendeu a pensar. Nem a pensar, nem a criar.

Criar é formar o rabo que outro bicho comeu, como a lagartixa faz. Esculpir, a partir de informação que nem imagina ter, a matéria-prima de moscas deglutidas. "Presto!" Nasce um rabo que sabe rebolar tão bem quanto o comido. Não é à toa que a linha de servidores pensantes da IBM tenha sido batizada de eLiza - do inglês "lizard" de lagartixa.

Aprender com os erros - A idéia é que o servidor aprenda com os erros e pratique a auto-correção. Ainda não é nenhum HAL, o computador de "2001 - Uma Odisséia no Espaço", cujas letras precedem IBM, mas já é alguma coisa. Porém não penso que pense no sentido em que pensamos. Talvez seja um servidor mais inteligente que deixe mais burro o terminal. Uma relação que, se ocorre entre máquinas, não ocorre no marketing.

Em marketing, a informação precede, acompanha e persegue seu cliente. Faz com que ele deseje, use e se apegue ao seu produto. Mas não é tudo. Faz com que seu cliente aprenda. Sua empresa, o servidor inteligente, não está conectada a um terminal burro, mas a um cliente que aprende. Com você, com seu produto, com seu concorrente. E fica cada vez mais inteligente.

É incrível ver quantas empresas estão empenhadas numa guerra dos cem anos de preços, promoções e liquidações. E queima de estoque, quando deviam estar queimando as pestanas. Mantêm produtos e estratégias estagnadas, que insistem em zombar da inteligência do cliente. Como aprender é um processo, ensinar também deve ser. Se os produtos ensinam, não podem parar na primeira lição, como acontece com a educação.

Pelo menos a tradicional, que aprendemos. Quer ver? Você aprendeu que devia aprender até começar a trabalhar. Escola, formação, trabalho, nesta ordem. Mas as coisas mudaram e a escola parece ser a última a aprender. Continua a ensinar a resolver o "cubo mágico". Quem conseguir, está pronto para parar de aprender e começar a trabalhar. Mas será que aprender a receita é pensar?

Empresas que aprendem continuam educando seus educandos antes que virem burros terminais. Outras ainda não deram este passo, nem o próximo. Que é entender que a empresa também ensina o mercado. A partir dos dados que dele aprendeu, formatou e recriou. Qual lagartixa que cria um novo rabo, para substituir aquele que o mercado já comeu.

Isto se faz com criatividade, a capacidade humana de enxergar nos dados informes aquilo que o computador não vê. Agostino D'Antonio, de Florença, trabalhou um grande bloco de mármore e não chegou a lugar nenhum. Desistiu da rocha ruim. Outros também. Por quarenta anos o bloco permaneceu em sua monolítica inanição até alguém enxergar nele uma possibilidade de criação. Na rocha informe, Michelângelo viu um Davi. E o esculpiu.

(*) Mário Persona é consultor, escritor e palestrante, além de autor dos livros Crônicas de uma Internet de verão, Receitas de grandes negócios e Gestão de mudanças em tempos de oportunidades. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.