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NOTÍCIAS 2002

Das palavras e sua influência nas massas

Mário Persona (*)
Colaborador

A macarronada "al pesto" estava deliciosa. Requentada, mas deliciosa. O problema era que a "maledetta" tinha resolvido conversar comigo. Podia sentir cada fio de macarrão fazendo incursões em minha garganta e suplicando: "Quero sair!"

Não sou de ceder ao primeiro apelo. A princípio lutei para que ficasse. Ela tinha sido gostosa demais para eu deixá-la sair assim, sem mais nem menos molho. O engraçado foi que, a partir do momento que fiquei indiferente - se quisesse, ela que fosse embora - resolveu fincar o pé. Se é que macarrão tem pé.

Fui para a empresa do cliente carregando um vulcão no ventre. Uma tarde inteira em reunião, discutindo os problemas de um projeto com mais três pessoas. E uma macarronada arrogante. Palavra para a qual sugiro criar um sinônimo: "arrotante".

A boca, só abria para o necessário. O desnecessário, eu evitava que viesse à tona. Seria demasiado "off topic". Aliás, "off" era o som que às vezes escapava. Bolhas que subiam à garganta e eram liberadas com a placa multimídia desligada. Para evitar o som de rasgo em pano roto.

"Não devo falar o que penso?" - perguntou uma aluna do curso de marketing onde leciono. Não. Deve pensar o que fala. Palavras ou macarrão, tudo exige uma preparação. As massas sempre saem perdendo quando expostas ao desvario de bocas inconseqüentes. Que o digam os ditadores. Ou melhor, que permaneçam calados. Mas, quando domadas, as palavras não lembram em nada minha macarronada.

Paladar - O molho das palavras deve trazer um aroma inconfundível. Excêntrico, marcante, insinuante. Se ficará na memória, irá depender de como foi preparado. Mensagens com muito óleo escorregam logo para dentro, mas são lisas demais para arraigar. Quando insípidas, passam despercebidas. Fortes demais, ferem o paladar.

Não basta ter as palavras certas, é preciso saber quando soltá-las. Ou retê-las. Porque o silêncio, às vezes, fala mais alto. Ou solapa mais embaixo os argumentos em contrário. Mas, quando soltas, as palavras não devem vagar ao léu. Devem sair vestidas de associações, analogias e parábolas, que são âncoras familiares.

Falamos com a boca o que o corpo já tentou dizer. Antes do grito, o rosto enrubesce, os olhos ficam injetados, os dedos crispados, o ventre retesado e as ventas se abrem para sorver o ar. Que volta na forma de som. Fazer a expressão preparar o caminho da falação é estender o tapete vermelho para a mensagem que sai. Às vezes atrasada ou indecisa, para criar, em que lê o rosto, a expectativa de quem quer ouvir a voz. Victor Hugo escreveu que, "Quando a boca diz: sim; o olhar diz: Talvez".

Nossas palavras carregam sons e aromas, sentimentos e emoções, maiores até do que a realidade propõe. Palavras registram fatos críveis, mas nem sempre factíveis, nas áreas extraordinárias da imaginação. Alguém me disse que não gostou do filme O Senhor dos Anéis. Gostou mais do livro. O mundo criado em sua mente pelas palavras do autor era maior e mais fantástico do que os fotogramas do diretor. Até hoje acalenta suas cenas inéditas, guardadas numa imaginação onde não entra sequer a visão.

Memórias acalentadas não são memórias requentadas, como era a macarronada. Que acabou me levando ao banheiro da empresa num momento de fraqueza. Assustei ao ver no espelho um duende. Era eu; estava verde! Voltei para a sala, sem coragem de chamar o Hugo, não o Victor. No banheiro havia testemunhas demais para um consultor perder a compostura. E a macarronada. Caminhar ajudou a assentar a carga. Olhei no relógio e... vitória! O dia terminara e a macarronada sossegara. Saí da sala com os problemas resolvidos, mesmo sem precisar limpar a mesa.

Paletó - Permanece a lembrança do sufoco. Nem de paletó eu estava na reunião. Se estivesse, poderia imitar um amigo de meu pai na juventude. Dançando ao som da sanfona, o rapaz trouxe a mão da garota para bem junto ao queixo, para ter a boca bem perto da manga larga do paletó emprestado. É que, enquanto para ela só os dois rodopiavam pelo salão, para ele o que rodopiava era o salão. Enquanto o espetinho de gato, embriagado, pedia para sair.

Como a boca já estava na boca da manga do paletó, da mão que segurava a mão da donzela, conseguiu evitar que fosse maior a mazela. Mas não pode evitar chamar o homônimo do escritor: "Hugooooo!!!" Fez que tossiu, pigarreou, pediu licença à moça, e caminhou tranqüilo rumo ao banheiro. Com o braço levantado em ângulo reto, como se continuasse a dançar.

(*) Mário Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.