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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 10/03/01 18:59:24
A Teoria da  Aparência nas empresas on line

Ângela Bittencourt Brasil (*)
Colaboradora

Ângela Bittencourt BrasilQuando o internauta clica em seu mouse e direciona a sua ação para um endereço comercial da Web, abre-se para ele uma página colorida, verdadeiro outdoor com apelos promocionais e aplicações de tecnologia avançada de
forte impacto visual. Esta aparência leva o usuário a imaginar uma forte empresa por trás de todas aquelas cores e usando de boa fé é levado a aceitar a proposta ali inserida, certo de que está fazendo um bom negócio. 

Esta situação fática representa uma situação jurídica verdadeira, e o Direito trouxe para nós a Teoria da Aparência, a fim de proteger o bem jurídico tutelado de quem de boa fé foi iludido por aquele conjunto de cores, sons e técnicas expostas na home page.

A aparência, para o nosso Direito, está acima da própria realidade e confere os mesmos vínculos de responsabilidade aos contratantes e, mesmo parecendo incoerente que o direito dê ênfase à aparência em detrimento da realidade, esta é a tendência do Direito Moderno hoje abraçada pelo Código do Consumidor. 

Tutelar a boa fé de terceiros envolvidos em uma situação aparentemente jurídica é a explicação doutrinária para reconhecer a eficácia dos negócios e a responsabilidade civil de quem induz o outro de boa fé a erro.

Propaganda enganosa - Existe hoje em nosso ordenamento jurídico uma legislação específica para os casos de propaganda enganosa no Código do Consumidor, nos casos de venda de produtos ou de serviços que mostram uma aparência diversa da realidade daqueles realmente existentes.

Porém, para outras situações temos que nos socorrer das várias disposições particulares do Código Civil e que por analogia podem ser estendidas às situações semelhantes, inclusive aquelas ocorridas no ambiente virtual. 

Somente para ilustrar, citamos o artigo 1600 do Código Civil, que acolheu a Teoria da Aparência. Outros dispositivos, como, por exemplo, os artigos 1.318, 221 e 935, igualmente nos indica o mesmo caminho, e - como admite o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil - nada impede o uso da analogia na matéria.

Problema que tem afligido os que pretendem negociar na rede, principalmente no que se refere a grandes somas envolvidas, é saber se do outro lado do monitor está uma pessoa com poderes de concretizar o negócio e, caso contrário, se o negócio é juridicamente válido.

A representação é a atuação de uma pessoa em nome e no interesse de outra com a intenção de fazer válido este ato, como se estivesse sendo praticado por esta outra pessoa e na pessoa de quem vai recair os seus efeitos.

No entanto, esta representação pode ser igualmente aparente, ou seja capaz de induzir alguém de boa fé a pensar que está concretizando o negócio e acreditando estar transacionando com a pessoa certa. 

A representação aparente, facilitada pelo ambiente virtual, cria uma situação de fato onde uma pessoa se faz passar por outra, sem poderes para tal ou delegação do suposto contratante. Para o internauta, é difícil verificar se quem está falando em nome da empresa é o verdadeiro representante ou apenas alguém com aparente representação, sem poderes para contratar.

Aqui, da mesma forma aplica-se a teoria da representação aparente, pois, se alguém puder supor que está negociando com um representante legal que assim se apresente, deve ser beneficiado com a teoria da aparência, a fim de que se tenha como válido o negócio realizado.
 

"A responsabilidade patrimonial conseqüente do negócio feito por meio de sites de e-commerce e com base da teoria da aparência é do representado, como se os tivesse realizado pessoalmente"

Artigo 75 - Vemos com isso que, como a comunicação eletrônica dificulta ainda mais a identificação pessoal do interlocutor, nada mais conveniente do que aplicar o mandamento do artigo 75 do Código Comercial, que consagra a representação ou mandato aparente, ao afirmar que "os proponentes são responsáveis pelos atos dos feitores, guarda-livros, caixeiros e outros quaisquer prepostos, praticados dentro das suas casas de comércio, que forem relativos ao giro comercial das mesmas casas, ainda que se não achem autorizados por escrito". 

Seguindo os ditames do artigo que se encontra em vigor, todos aqueles que se disserem representantes ou mesmo falarem por toda a empresa, seja virtual ou não, estarão obrigando contratualmente o representado.

Se no ambiente off line se discute se é preciso prova da representação, no clima virtual esta dificuldade é de tal monta que, no nosso entender, basta que os elementos aparentes de um lado e a boa fé do contratante do outro estejam presentes para a validade e eficácia do acordo. 

Como o terceiro, que se encontra fora do ângulo de visão, poderá aferir se está lidando com um falso diretor, ou falso gerente? A hipótese do recurso de videoconferência não derruba esta hipótese porque, da mesma forma, poderá haver indução a erro, excluindo-se casos de pessoas impossibilitadas de comerciar, tais como crianças e doentes mentais. Evidentemente, torna-se necessário que o comportamento do falso administrador incite o de terceiros, levando-os à crença de que tratam com alguém que exerce legitimamente a função.

Negligência e culpa - A negligência do representado, ao deixar que outras pessoas - ao manusearem a máquina - adentrem nos negócios do seu e-commerce, implica para nós em culpa in vigilando e, em conseqüência, na sua responsabilidade civil em responder pelos resultados do negócio articulado na rede. 

Surge no entanto a questão da responsabilidade objetiva, onde o representado nem tem conhecimento de que está sendo objeto de acordos, como pode acontecer num site de e-commerce por onde circulam webmasters, editores, programadores e outros que poderiam em nome da empresa estar fechando negócios. 

Então, outra corrente sustenta que esta responsabilidade, surgida da aparência de representação, não tem como pressuposto a culpa do representado, pois neste caso não há que se atribuir à teoria da aparência para justificar a responsabilidade do representado, uma vez que esta se verifica tão só pela sua culpa. 

O argumento mais forte é de que o pseudo representante cria para o usuário de boa fé uma realidade fática com efeitos jurídicos. Esta crença ilusória - que induz o terceiro de boa-fé em erro - não deve ser usada, porque o mais importante é a garantia e a segurança das transações comerciais.

Como todo negócio oferece riscos, este é mais um que o comerciante corre, esteja seu negócio nas ruas ou apenas da rede Internet, pois o que não se pode é deixar que o usuário arque com estes riscos.

Sabemos que é imprescindível uma causa que justifique a confiança de terceiro em relação ao suposto poder do representante, mas o que poderia ser mais justificável do que um negócio fechado dentro do site, onde apenas pessoas de estrita confiança podem manusear os computadores da empresa virtual? 

Assim, concluindo, a responsabilidade patrimonial conseqüente do negócio feito por meio de sites de e-commerce e com base da teoria da aparência é do representado, como se os tivesse realizado pessoalmente.

(*) Ângela Bittencourt Brasil é especializada em Direito de Informática, membro do Ministério Público do Rio de Janeiro e editora do site Ciberlex.