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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 10/03/01 12:24:28
Gestão de mudanças em tempos de crise

Mário Persona (*)
Colaborador

Naquela época, o muro de nossa casa era mais baixo e nossos filhos também. À meia-noite a campainha tocou. A vizinha vira dois homens pulando o muro e fugindo, levando o velocípede de meu filho. Ainda podia vê-los, dobrando a esquina a poucas quadras dali.
Com a adrenalina atropelando o bom senso, resolvi tentar uma vaga para vítima do noticiário policial. Peguei minha viatura e saí em perseguição aos meliantes que haviam adentrado meu recinto para subtrair um veículo. O velocípede.

Aquele paladino da valentia, saltando pela porta escancarada de um carro de faróis altos e freada estridente, assustou os bandidos. Do bolso do casaco, eu apontava o inofensivo cano de meu indicador. Que nem sequer era oco. Eles tinham por líquido e certo que eu era policial. Líquido e certo foi o que quase fiz. Quando vi a cara dos marginais.

Adrenalina demais e cautela de menos são a receita certa para o desastre. Não importa se o tempo é de paz ou de guerra, basta nosso negócio sofrer um atentado do mercado e queremos partir para o ataque. Mas atacar o que?

Quando a economia à frente pára de repente, é loucura responder com o pé na tábua da insensatez. Ou com a freada brusca do susto. O estrago pode ser maior. Em momentos assim é preciso serenidade para saber o quanto frear, para onde desviar e quando voltar a acelerar. Escapando do engavetamento do mercado.

Como fazem os tubarões, é preciso estar sempre em movimento. Mas atento, sem se deixar levar pelo pânico. Investigando, ponderando, e agindo com lucidez. Todo negócio exige coragem para começar, persistência para permanecer e ousadia para sair ou mudar. Com entusiasmo e cabeça fria. O entusiasmo nos motiva para o sucesso. Decisões emotivas nos levam ao fracasso.

Persistir e mudar - Quando o Dr. Seuss decidiu escrever livros infantis, seus manuscritos foram recusados vinte e oito vezes. Qualquer um teria desistido, mas não o Dr. Seuss. Ele persistiu, e hoje celebra mais de duzentos milhões de livros vendidos em todo o mundo.

Todavia, a persistência cega é tão prejudicial quanto a parada ou mudança de direção sem razão. Um campeão de hóquei no gelo, a quem perguntaram como conseguia esquiar tão bem, respondeu: "Mantendo os olhos fixos no disco". Ele parava ou mudava de direção quando tinha um motivo forte para fazê-lo.

Sem desprezar os competidores, nem perder de vista o gol, às vezes é preciso estar preparado para desvios e retrocessos. Um acatamento estratégico de perdas que apenas posterguem os ganhos. Porque às vezes tomamos decisões erradas e precisamos saber como lidar com as conseqüências do erro.

Por isso, após pegar o velocípede e colocá-lo no carro, sem tirar os olhos dos bandidos que continuavam com as mãos levantadas, fiz a pergunta mais idiota do mundo: "Por que vocês roubaram o velocípede?" Fiz de conta que acreditei quando um deles contou que estava sem dinheiro para comprar um presente para o aniversário do filho doente.

Aqueles ladrões sabiam onde eu morava. E poderiam aprontar uma represália para quem quase os matara do coração. Armado de um dedo no bolso. Em momentos assim, o melhor é tomar uma direção completamente nova. Que surpreenda, ainda que nos custe algo. Trocar de produto, escolher outra atividade ou dissolver uma sociedade. Às vezes é preferível sair no prejuízo só para evitar dor de cabeça no futuro.

Foi o que fiz. Os dois deram um passo atrás, quando levei a mão livre ao bolso traseiro. Tirei a carteira, saquei dela uma nota e a estendi ao ladrão. "Tome" - disse eu com pose de Robin Hood - "compre um presente para seu filho". Aproveitei para sair dali, enquanto eles estavam algemados pela surpresa. Já podia dormir sossegado. Com algum prejuízo, mas sossegado.

(*) Mário Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.