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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 08/12/01 01:21:50
Segredos de bastidores 

Mário Persona (*)
Colaborador

"Ri com a história da Panificadora Francesa em Alto Paraíso - desta eu fui testemunha", escreveu um antigo colega de faculdade, reencontrado graças a uma crônica minha na Web. "Me faz acreditar na história da corajosa de Angra", completou, referindo-se à crônica "Empreender sem dor".
É comum indagarem se as histórias que conto são verdadeiras. Todas são. A menos que eu as identifique como anedota. Talvez sejam até menos interessantes do que as vividas por outras pessoas. O segredo é saber contá-las, para extrair do banal o extraordinário. E enxergar pepitas na bateia do dia-a-dia, onde só parece haver cascalho.

Comunicação é o foguete propulsor do marketing. Sua empresa sempre irá precisar de alguém que separe o ouro do chumbo, mesmo no cadinho do mais tedioso produto. E revele seu brilho aos olhos do cliente. Será muita ousadia eu sugerir que este alguém possa ser eu?

Conhecer o comportamento das pessoas é essencial. E o que decora o cenário com matizes que surpreendem, acrescentando uma eufonia que cativa até os mais peludos ouvidos, são as velhas e conhecidas palavras.

Ou uma calculada omissão das mesmas, gerando a ansiedade de um vácuo de expectativa, onde o cliente esperava ouvir algum som. Técnica cuja excelência foi descrita por quem elogiava um vendedor de sucesso: "Ele usava frases de efeito e as sublinhava com o silêncio".

Comunicar é também saber o que não dizer. É a arte de não revelar os bastidores, onde acontece a ação de produzir. E deixar vir à tona somente a emoção de seduzir. Como fazem os parques Disney com seus coadjuvantes subterrâneos.

O fim? - Será que no cinema alguém assiste a lista após o "The End"? São nomes conhecidos apenas das costas do público. Longe dos holofotes, amargam ter de competir com as luzes pecocemente acesas na sala que se esvazia. Nunca aparecem no início. Evita-se expor o que não agrega valor.

Mas evitar expor não é o mesmo que esconder. Há empresas que escondem porque não durariam um dia se a transparência chegasse à produção. A padaria onde eu costumava brincar na minha infância era assim.

Nos bastidores, apenas funcionários e anônimos amigos dos filhos do dono. Circulando entre tabuleiros de inertes pãezinhos em crescimento, e outros de não tão inertes verminhos em fase de engorda. Formavam a criação de bichos da seda de meus amigos. O cliente que visse aquelas massinhas gosmentas roendo folhas de amoreira sujas de pó de trigo, jamais comeria seus pães companheiros.

Por mais repulsivas que fossem as lagartas vomitando fios prateados, produziam a matéria prima do mais excepcional tecido já criado. Tão grande foi sua influência nos negócios da humanidade, que a mais célebre rota comercial da história leva o seu nome.

Mas pela Rota da Seda não circulavam as lagartas, segredo que os chineses conseguiram trancar por dois mil anos. Cada mercador chinês só transportava e revelava o que interessava. A sublimidade do tecido.

Diferente - Porém seda vomitada por bichinhos não era o que os clientes da padaria procuravam. Eles queriam pão. Igual ao que agasalhava a lingüiça surrupiada do balcão nas noites frias de solidão estomacal. Porque o único padeiro era movido a pão, lingüiça e pinga. Muita pinga. Tanta seda lhe dava sede.

Numa daquelas noitadas panificantes, o padeiro usou de uma dose extra de energia etil-calabresa para sovar a massa. Talvez visse nela o patrão. E a massa cresceu. Cresceu como nunca. Para os clientes, o segredo estava no vigor do padeiro ou no fermento. Para os meninos dos bastidores, o padeiro apenas usara a técnica dos bichos de seda para produzir fio.

O dia amanheceu como outro qualquer. Com clientes se enfileirando no balcão para comprar pão. E leite, que vinha em garrafas de vidro de goela larga. Tudo parecia normal, até o dono ser surpreendido por clientes que começavam a voltar. Para buscar mais daquele delicioso pão de lingüiça.

(*) Mário Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.