Clique aqui para voltar à página inicial  http://www.novomilenio.inf.br/ano00/0012b001.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 12/14/00 01:23:10
Obrigado pela atenção 

Mário Persona (*)
Colaborador

Gosto mais de peixe do que de pescar. Especialmente depois de pronto, sem o cheiro, gosma ou escamas do cru. Ou aquelas seringas aladas que ficam zunindo em nossos ouvidos nas pescarias. Mas costumava pescar quase todos os domingos em meu tempo de estudante. Saía cedo em direção às pedras do Morro do Maluf, no Guarujá, fazendo uma escala na peixaria para comprar camarões para isca. Parte deles eu lavava nas ondas, até se dissolverem. E o anzol voltar vazio, com aquele sorriso sarcástico de um olho só. O resto eu fritava em meu solitário almoço. Já que nenhum peixe ousava me acompanhar.
Pior do que a humilhação de almoçar iscas sozinho, era pescar com varinha de estudante acompanhado. Ao meu redor sempre havia uma dúzia de aposentados, desfilando equipamentos tão bons, que só faltavam pescar. Eu os observava gabando-se de suas aquisições. Suas carecas, protegidas por chapeuzinhos de pano cáqui, quase eram tocadas pelos queixos, de tão erguidos. Mas não por altivez, e sim por força dos bifocais. Queriam invejar com nitidez o anzol de última geração ou o molinete com tração nas quatro rodas exibido pelo colega.

Mas aquela parafernália tecnológica só servia para lavar seus camarões um pouco mais longe do que eu lavava os meus. No resto era tudo igual. Nossas iscas sequer chamavam a atenção dos peixes ou entravam em contato com eles. Com exceção daqueles que compravam sardinhas para usar como isca. Nunca fiz isso. Preferia almoçar camarões.

Isca - Um dia fiquei sem iscas. E sem almoço. A solução foi apelar para os mariscos grátis, abundantes sob meus doloridos pés. Com o canto do olho os aposentados me observavam. Faziam cara de quem entende demais, com pena de alguém que entende de menos. Mas isso foi só até o primeiro peixe prateado surgir rebolando no ar. Naquele domingo, almocei peixe, e não camarão. Acabara de descobrir que os peixes preferiam o marisco ao camarão. Pelo menos os que moravam em frente ao Morro do Maluf pareciam ser alérgicos a ele. Ao camarão.

Você precisa entender e atender o gosto de seu cliente, se quiser fisgá-lo. E mesmo que você gaste milhões em marketing, ou use toda a tecnologia disponível para pescar com todas as varas, tudo será em vão se não conseguir fazê-lo parar aquilo que fazia para prestar atenção naquilo que você faz. Que deve ser algo de dar água na boca. Numa ação parecida com o chupar limão na frente dos músicos de uma big-band.

Lado errado - A antítese disso eu vi num outdoor de pisos cerâmicos. A foto mostrava a face do piso que fica assentada na argamassa e o slogan dizia: "Agora com nova base atomizada". Nas construções e reformas pelas quais passamos, a escolha do piso foi sempre de minha esposa. O piso da propaganda pode ser excelente, mas duvido que esposas estejam interessadas em uma "nova base atomizada". É a beleza e o design que as atrai, não o processo de fabricação. Mulheres não compram roupas pelo que vêem no avesso.

A isca que funcionaria em uma revista especializada para construtores ou revendas, não serve para um outdoor em mar aberto e cardumes ecléticos. Antes que você diga que a propaganda funcionou por chamar minha atenção, saiba que não basta chamar a atenção para vender. É preciso dar atenção. Para fazer com que ele seja obrigado a parar por causa da atenção que você lhe dispensou.

Isto evita criar, no cliente, a sensação de que estão conversando por sobre o seu ombro. Experimente fazer isso com sua esposa e vai entender o que estou falando. Você criará nela a horrível sensação de exclusão, de invisibilidade, de alguém que não existe para você.

Aprendi o quanto esta sensação é ruim quando alguém quebrou o espelho do banheiro. Na manhã seguinte, ainda meio dormindo, lavei o rosto amassado, enxuguei-o na toalha passada e, quando olhei em direção ao espelho, não vi ninguém. Apenas a moldura vazia e o monótono cinza do fundo. Que fez meu coração disparar com o susto de pensar que eu havia deixado de existir.

(*) Mário Persona é diretor de comunicação da Widesoft, que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos via Internet, editor da Widebiz Week e moderador da lista de debates Widebiz.