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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 03/28/00 15:07:12
Eduardo e Mônica 

Mário Persona (*)
Colaborador

Não era música nem romance. Só outro Eduardo que um dia encontrou outra Mônica. Mais um, de uma legião de garimpeiros à procura de uma mina de ouro na Web. Para Eduardo, Mônica era a mina ideal, a mina dos seus sonhos. Ele tinha o embrião de um plano de negócios na cabeça. Sua mãe dizia que não era embrião, mas minhoca o que ele tinha entre as orelhas. Internet servia para gastar dinheiro, não para ganhar. Ela tinha a conta telefônica para provar.
Mas Eduardo acreditava. Seu projeto era fantástico. Logo ele iria poder comprar uma casa para a mãe, como fez aquele craque do futebol. Seu  "Business Plan", que ele já chamava pela sigla de "Bi-Pi", era de um "estar-táp" que podia acabar em "Ai-Pi-Ôu", palavras inglêsas que Eduardo não entendia, mas que tinham um poder
mágico. Uma espécie de  "Abracadabra" para se chegar ao tesouro da nova economia. Mônica podia transformá-lo em um milionário-ponto-com da noite para o dia. Ou numa lenda urbana.

Mônica era uma caçadora de negócios para investidores de risco. Mas vivia em outro mundo, noutro canto da cidade. Foi um amigo do cursinho do Eduardo quem deu a dica. Viu na revista. E-mail para cá, e-mail para lá, e Mônica decidiu que queria saber um pouco mais sobre o boyzinho que a tentava impressionar. Precisavam marcar uma reunião. Podia ser numa lanchonete? Eduardo queria recuperar o que
emagreceu de emoção. Não, tinha que ser no escritório da empresa. Com elevador de aço inox e espelho de cristal.

No envelope - A oportunidade de uma vida. Eduardo, com seu plano de negócios escondido no casaco, frente a frente com a poderosa Mônica. Só iria tirar o envelope no fim da entrevista, um "grand finale". Mas estava nervoso. Mônica tentava quebrar o gelo. Falava do filme de um tal de Godard que tinha visto no cinema. Eduardo mudo. Se ela falasse da novela, arriscaria um palpite.

Tentou abrir a boca, mas engasgou no "biziness plén" treinado nas aulinhas de inglês. Por que não inventaram a coisa toda em português claro? Arrependeu-se de ter matado aula para jogar botão com o avô. Será que tinha escrito "Executive Summary" ou "Ezecutive Sumari"? Oh, dúvida! Agora era tarde.

Mônica continuava falando, para deixar o rapaz à vontade. Para Eduardo, ela falava alemão. Bauhaus, Van Gogh e coisas assim. Nada que fizesse parte do esquema de Eduardo. Tipo "escola, cinema, clube, televisão". Mas Mônica era legal. Ia dando dicas. Ela entendia de tudo. Falava coisas sobre o céu, a terra, a água e o
ar. 

Furos - Eduardo entendeu que o melhor seria deixar seu Plano de Negócios quieto dentro do casaco. Não passava de um Engano de Negócios. Tinha erros de português, culpa da pressa de receber um cheque. Análise da concorrência? Nem pensar. Sua visão só foi ampla na hora de enxergar o mercado ideal de seus sonhos, onde só via o seu
negócio. Havia outros furos. Queria ser tudo para todos. Inventou um site horizontal demais. Igual a ele, deitado de costas no chão do escritório, se tentasse ficar em pé para fugir. Engraçado esses escritórios modernos. Eles giram.

Silêncio. Outra vez Mônica tentou deixar o rapaz à vontade. Falou que tinha sido fã dos Mutantes. Eduardo captou a mensagem. Não levou em conta as condições do mercado em constante mutação. Coisa rápida pelo relógio da Internet. Em que dados e informações tinha se baseado? Dados? Começou a suar. Tinha considerado um nadinha de informações genéricas que pegou no jornal. Em uma crônica como
esta. Nem acreditava que sua visão tivesse sido tão míope! E agora estava também embaçada. Enxergava duas Mônicas.

Entendeu que aquele envelope - agora molhado de suor - que trazia sob o casaco não era um Plano de Negócios. Sem perceber, esteve o tempo todo querendo fazer do plano um negócio. Vender papel. Se ao menos tivesse uma idéia rara... Não, a Mônica acabava de explicar que idéias raras são difíceis de vender. Mas uma idéia apenas boa, quando bem trabalhada, podia dar certo. Desde que conseguisse
mostrar ao investidor como ele iria lucrar.

Não como parece - Agora Eduardo enxergava claramente os pontos fracos de seu plano. No fundo, no fundo, o que queria mesmo era mantê-los em segredo. Suas metas pareciam um balão inflado. Tudo puro entusiasmo. Fundamento que era bom, nada. Queria acreditar que existiria um mercado emergente ideal, que iria adorar seu site. Mas não
explicava quando, nem como isso iria acontecer. Nem quais as etapas do processo. Nada de concreto. Só sonhos. Feito letra de música.

Mas, como diz a música, "quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer que não existe razão?" Eduardo deu uma desculpa qualquer para sair. Ou não deu? Agora já não importava. Precisava sumir. Rever seu plano, sua vida, seu futuro.

Ao contrário da música, Eduardo e Mônica não construíram uma casa, nem mesmo uma home page. Também não tiveram gêmeos. Nem "batalharam uma grana e seguiram legal". O plano do Eduardo não passou da entrevista. Ficou de recuperação e dificilmente terá outra oportunidade. Só para não perder minha inspiração musical, eu diria que o sonho acabou. Mas serve de consolação saber que quem não dormiu no sleeping-bag nem sequer sonhou.

(*) Mário Persona é diretor de comunicação da Widesoft, que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos via Internet.