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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 03/01/00 12:31:16
Guerra de patentes 

Mario Persona (*)
Colaborador

Jeff Bezos, criador da Amazon.com, a maior livraria virtual do mundo, volta a ser notícia. A aprovação de um pedido de patente coloca Jeff na mira dos tomates de centenas de empreendedores indignados. A patente faz da Amazon a única dona da idéia dos programas de afiliados, a versão moderna da milenar prática comercial de pagar comissão por indicação de clientes. A Patente 6.029.141 garante à empresa usar, com exclusividade, "um sistema de indicação baseado na Internet, que permite a indivíduos e outras entidades mercantis (associados) comercializar produtos, em troca de uma comissão, que são vendidos no website da empresa (Amazon)".

O problema é que há centenas de empresas na Internet sobrevivendo graças a esses programas de afiliados. Eles permitem que qualquer pessoa receba comissões pela venda de produtos. E que qualquer empresa multiplique a exposição de seus produtos pelos sites dos associados. Um associado que coloque em seu site um link para a empresa mantenedora do programa passa a receber uma comissão em cada venda gerada a partir daquele link. Foi com um programa assim que a Amazon arrebanhou mais de trezentos mil associados, fiéis promotores de vendas, que diariamente encaminham para a Amazon milhares de compradores.

Mas não foi a Amazon que inventou esse tipo de programa. Em 1994 a PC Flowers & Gifts já oferecia um programa semelhante, seguida pela AutoWeb em 1995. A Amazon só lançou seu serviço em 1996, entrando com o pedido de patente em 1997. Mas há quem acredite que ela consiga varrer muita gente para fora do mercado, se desencadear uma caça às bruxas via instrumentos legais. Só a Barnes & Noble, seu
principal concorrente, tem hoje duzentos mil pontos de venda - o número de sites afiliados gerando clientes para a empresa.

O uso de patentes como arma na guerra contra a concorrência está gerando uma onda de protestos. O site http://www.noamazon.com é um dos endereços visitados por manifestantes em busca das últimas notícias, ou de idéias para boicotar o domínio do gigante virtual. Mas as sugestões de boicote parecem trazer mais prejuízo para os que as colocarem em prática do que para a Amazon. Mesmo
considerando que, nos Estados Unidos, a opinião pública tem um poder considerável, não podemos nos esquecer de que o dinheiro costuma falar mais alto.

Veja aqui o registro oficial da patente obtida por Jeff Bezos
Dificilmente os associados da Amazon abrirão mão do cheque que chega pelo correio a cada trimestre. E se a Amazon acabar sendo a única a oferecer um programa de afiliação, o mais provável é que aumente o número de recrutas em suas fileiras, todos eles órfãos dos sistemas banidos. Há quem sugira que os autores proíbam que
seus livros sejam vendidos pela Amazon. É improvável que algum o faça, a menos que use isto como marketing. Resta saber se os clientes satisfeitos estariam dispostos a trocar um site onde compram com um clique, por alguma surpresa. Em minha última experiência de compras pela Internet, adquiri um livro da Amazon
que onze dias depois chegava em meu endereço. Uma livraria virtual brasileira, onde fiz uma compra dois dias depois, levou oito dias apenas para embalar o livro e emitir a nota. E o Correio, mais dez dias para entregar.

Monopólios - Se a moda de usar patentes como diferencial competitivo pegar, logo não existirá espaço para quem for incapaz de patentear o que faz, ou não tiver munição para lutar nos tribunais pelo simples direito de vender algo na rede. Aí teremos uma Web de monopólios, bem diferente do mercado livre que conhecemos hoje. Em um  programa da MSNBC, uma jovem da audiência perguntou a Jeff Bezos, da Amazon.com: "Tenho umas cem ações da Amazon e gostaria que você me explicasse exatamente o que é que eu possuo". A resposta de Bezos foi: "Você possui um pedaço do futuro." Como será o futuro, ele não explicou.

Sendo ingênuo de propósito, eu poderia acreditar que a corrida por patentes seja apenas uma forma de garantir que o concorrente não faça o mesmo. Este é um raciocínio muito parecido com o que havia na época da guerra fria, quando os oponentes colecionavam megatons suficientes para serrar o próprio galho em que estavam sentados. Um raciocínio que pode levar a resultados tão insólitos quanto a
discussão que escutei em uma empresa. Da sala de espera eu podia escutar o empresário, ao telefone, discutindo aos gritos com um concorrente. A conversa terminou com esta declaração, que até hoje tento entender: "Ah, é?!! Então você vai me matar? Você que experimente! Se você me matar, eu mato você também!" E bateu o telefone.

(*) Mário Persona é diretor de comunicação da Widesoft, que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos via Internet.