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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/26/00 21:57:22
Eu sou free, sempre free

Mario Persona (*)
Colaborador

A polêmica em torno da oferta de acesso grátis à Internet tem ocupado o assento nobre na mídia. E não é só no Brasil que isto acontece. O jornal Los Angeles Times levantou a questão do futuro da AOL, o maior provedor do mundo, diante da concorrência do acesso gratuito lá nos EUA. A matéria alega que os usuários de Internet poderão preferir abrir mão de um pouco de privacidade, em troca da economia no acesso. Abrir mão da privacidade significa permitir que os provedores utilizem suas informações pessoais para vender propaganda dirigida. É a versão high-tech do aviso aos navegantes.

A matéria do Los Angeles Times coloca a Internet grátis como uma ameaça igualmente perigosa para grandes e pequenos provedores. O segundo maior provedor do mundo, depois da AOL, é o grátis NetZero, hoje com um sexto do número de assinantes da AOL. Sua sobrevivência depende muito das informações que consegue colher dos usuários, para vender propaganda personalizada. Segundo o jornal, "o NetZero oferece aos anunciantes a chance de adquirir um míssil de propaganda, projetado para estourar quando um usuário vê uma determinada informação na Web."

Prover acesso à Internet envolve custos com links, linhas telefônicas, equipamentos e pessoal especializado para dar suporte aos usuários. Além do marketing, que continua pago mesmo para anunciar serviços grátis. A menos que os custos caiam
drasticamente, o que é barato para o navegante vai sair caro para o dono do navio. Pelas previsões dos próprios provedores de acesso free, vai ser preciso lastro para aguentar uma viagem de três a cinco anos na base da bolacha de água e sal. Antes de poderem comer caviar no novo continente da lucratividade.

Comparação - A AOL tem hoje dezoito milhões de assinantes no mundo, com os quais fatura uma média de vinte dólares mensais por cabeça. A NetZero contabiliza três milhões de usuários, com um faturamento médio de setenta centavos per capita, obtido da venda de espaço para propaganda. Não é preciso fazer as contas para se concluir que o rombo no casco da NetZero deve ser de alguns milhões de dólares, já que ninguém conseguiria prover acesso a um preço semelhante. Dá-lhe bolacha de água e sal, porque a viagem vai ser longa!

No mar da incerteza há naus de todos os tipos e tamanhos, cada uma seguindo uma bússola diferente. Mas todas querendo acreditar que o vento irá soprar na direção que escolheram. O grande galeão da AOL abastece seus porões com conteúdo, ao adquirir a Time Warner. As naus da turma do free, pilotadas até por banqueiros, içam suas velas, confiantes que irão fazer América. No caso, On Line. Pequenos veleiros, jangadas, barcos a remo e até pedalinhos estão aceitando qualquer brisa que garanta sua sobrevivência. Enquanto isso, usuários e anunciantes pulam de barco em barco.

Esta semana resolvi cortar o cabelo. Passei em frente a um salão quase de graça para ir a outro que cobra umas quatro vezes mais. Luxo? Não, qualidade. Há quem queira acesso grátis, puro e simples. Sem poder exigir coisa alguma além do que estiver disponível. É pegar ou largar. De cavalo dado não se olha os dentes. Outros procuram por serviço, conteúdo, qualidade e, principalmente, comprometimento da parte do provedor. Porque pagam, podem exigir. Outros querem um serviço personalizado, um provedor do tipo alfaiate.

Castas? - A dificuldade está em saber se essa divisão não irá criar classes de Internet. Na mesma ordem, o sopão social, o fast food e o serviço à la carte. Alguns acreditam que haverá várias Internets. Uma versão virtual dos bairros de uma cidade grande, desde aquelas vizinhanças pouco recomendáveis, passando por outras paragens, até chegar aos condomínios de luxo. A diferença ficaria por conta dos preços, serviços e qualidade de vida online.

Mas não é só de usuários que os provedores de acesso sobrevivem. Quem anuncia também faz parte da equação. No caso dos provedores grátis, o número de usuários é o principal argumento para a venda de espaço para propaganda. Mais usuários, mais anunciantes para propaganda dirigida, mais lucratividade. Será?

Se você fosse um anunciante, iria preferir investir em um provedor grátis, cuja base de usuários é formada por gente que não está disposta a gastar, ou em um provedor pago, no qual a seleção natural deixou somente clientes com poder aquisitivo e disposição para pagar pelo que consomem? Se a maioria preferir anunciar em um provedor pago, a Internet grátis poderá ter sérios problemas. O free é pago por investidores. E quando estes perguntarem por que o provedor não está dando o retorno esperado, ele só poderá responder: "Eu sou free demais!".

(*) Mário Persona é diretor de comunicação da Widesoft, que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos via Internet.